O medo de perder o emprego

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Tive um pesadelo. Sonhei que estava com um medo absurdo de perder o emprego. Paura mesmo. No sonho, ia para o escritório e discutia com os colegas estratégias para reverter o resultado ruim. Planejava cortes profundos de custo. Propunha novos negócios. Falava com Deus e o mundo para melhorar as coisas. Tentava impressionar meus pares, meu chefe e o acionista. Era um sufoco. A cada toque do telefone, um arrepio na espinha. Será que vou dançar? Chegou a hora?

Ler os sinais virou outra doença. Qualquer coisa banal virava um motivo. Cruzava com alguém no corredor, o ser humano não dava bom dia, eu pensava: “Será que ele sabe de alguma coisa?” Alguém não aceitava o meu convite para tomar um café. Já vinha o mau pensamento embolado no sonho: “Ele está fugindo de mim?”

Em meu pesadelo, repetia uma série de comportamentos que vejo e ouço por aí. Quando acordei, o alívio. Eu não seria demitida. Como assim? Sim, eu não seria porque já fui demitida. Não tenho emprego, nem crachá há quase um ano. Decidi me autocontratar para escrever. Escolhi me dedicar à gestão da minha pousada. Estou abrindo, como plano B e C, novas frentes de trabalho. Sem pátria, nem patrão.

A descoberta – você não pode ser demitida porque já foi — acabou com a minha sonolência. O alívio transformou-se em reflexão freudiana. Por que o meu inconsciente repetiu, um ano depois, o filme do medo de perder o emprego? Jung, talvez, diria que o inconsciente coletivo tem participação nisso. Recebo mensagens diuturnas sobre esse temor.

Converso com amigos e ouço histórias às vezes cômicas sobre o pânico que se instalou nas empresas. Uma amiga quase enfartou há 20 dias quando a chefe chamou-a para um almoço. O almoço não deu certo. A conversa foi adiada, adiada, adiada. Ela surtou. Passou o dia em pane, certa de que estava no olho da rua. No fim, não estava. Havia sido promovida. Mas a aflição era tanta que nem comemorou o novo cargo. Apenas festejou a manutenção contracheque.

O medo de perder o emprego é ancestral. Emprego é uma das formas primárias de vender algo – a força de trabalho – em troca de dinheiro. Em tempos de crise, o medo se torna epidêmico, patológico e coletivo. Faz sentido. Temer ficar sem sustento é racional e normal, especialmente quando não se tem reservas, casa própria, currículo e, principalmente, plano B. O desemprego amedronta. A falta de dinheiro gera perdas, brigas e conflitos. No limite, a expressão olho da rua pode ser literal. Perder o emprego, a casa, a família e o juízo como aconteceu com o casal da rua 14, personagens de uma história que contei.

Mas isso, perder tudo e virar sem teto, pode mesmo acontecer com você? Será que, às vezes, o nosso medo não fica maior do que o perigo? Será que exageramos por que o que está em jogo não é somente o dinheiro no final do mês? Decodificando o meu pesadelo, percebo que o pânico de perder o emprego, muitas vezes, extrapola a racionalidade, a necessidade e a sobrevivência. Ele pode estar relacionado a sentimentos mais profundos e escuros de perda, de dispensa, de rejeição. Isso acontece quando o emprego se transforma em razão e mote para a vida. E, agora, definitivamente não estou falando do contracheque.

Em meu pesadelo, eu revivia o pânico de ser rejeitada, de não ser eficiente e necessária. De ser descartável. Também sentia medo de perder algo querido. Tipo um amor, um companheiro, um amigo. Tipo um pedaço da minha vida. Quase doze meses depois de ser demitida de verdade, de ter mudado de vida e ter iniciado um novo tipo e formato de trabalho, o pesadelo significou um olhar pelo retrovisor para aquela pessoa que fui.

Eu era dedicada, era obcecada, era abduzida pelo meu emprego. Trabalhava para a empresa como se ela fosse minha. Por que fazia isso? Porque, no meu inconsciente, achava que ela fosse minha mesmo. Por falta de educação empreendedora, por falta de história de empreendedorismo na minha família, formada por funcionários e profissionais liberais, não sabia que podia viver por minha própria conta.

Precisava de um contracheque e de um crachá. Precisava de apoio, de certeza e de segurança. Precisava de pai, de mãe e de babá. Acho que cresci nos últimos 358 dias. Já estou indo para a escola sozinha. É um bom começo. Quer saber se eu ainda tenho medo? Claro que sim. Os maiores são de ladrão, de escuro, de hiperinflação, de montanha russa e, o mais recente, é de ficar sozinha na livraria na noite do lançamento do meu livro.

33 comentários sobre “O medo de perder o emprego

  1. Oi Cláudia!
    Passei pelo mesmo que você há um ano e pouco atrás. Perdi o emprego de toda uma vida… Fiquei arrasado, mas pouco depois já estava recolocado. Meu ponto é que, antes do ocorrido, não tinha medo. Hoje, dois empregos mais tarde, me preocupo muito mais em perder o emprego, contra a minha vontade, é claro! Gostaria de, naturalmente, não esquentar a cabeça com isso, mas ocorre. Mas seus textos me aliviam, e me motivam a, de maneira cada vez mais estruturada, pensar no plano B. E nos planos C e D também, caso o A não dê certo ! Afinal, alcançar essa liberdade tão bem explicada nos seus textos não deve ter preço, não é mesmo?
    Obrigado pelo seu tempo, continue sempre a nos deliciar com seus “causos” e estórias!

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  2. Clau,

    Você deve estar ajudando muita gente contando a tua história. Nesse momento de crise, o mais importante é enxergar a luz no fim do túnel, o poder que temos de se reinventar, de reescrever a nossa história, de permitir-se um plano B. Só saber disso, já economiza muito stress e espanta muitos medos.

    Tenho certeza que o livro será (bom, já é) um sucesso e que você estará rodeada de pessoas queridas no dia 25.

    Beijão,

    Claudia

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  3. Clau,
    Você deve estar ajudando muita gente contando a tua história. Em tempos de crise, é muito importante enxergar a luz no fim do túnel, o poder de se reinventar, de reescrever a sua história, de permitir-se um plano B. Só saber disso, já economiza muito stress e espanta muitos medos. 😉
    Tenho certeza que o livro será (bom, já é) um sucesso e que você estará rodeada de pessoas queridas no dia 25.
    Beijão

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  4. Cara Cláudia. Trabalho em uma empresa onde estou abaixo do diretor geral que foi demitido recentemente. Estou passando por um período de ajuste onde não sei o que vai acontecer. Posso continuar na empresa ou passar por tudo o que vc passou. Suas reflexões estão me sendo muito úteis. Obrigado!
    P.S. – Por favor me avise quando seu livro estiver disponível para compra via internet, moro em vitória e infelizmente não posso ir ao lançamento. Grande abraço!

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  5. Texto preciso como sempre Cláudia. Eu tenho esse medo ainda e vou encará-lo de frente para superar esse pânico. Nos vemos no dia do lançamento. Um abraço.

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  6. Ahahahahahahahahahaahahhaanaj!!!!
    Vc eh otima!!!! Adorei o final!!
    Vc sabe que nao estará sozinha….
    E sim nosso medo nao é ficar sem dinheiro… Nosso medo é ficar sem funçAo, eh de ser rejeitado mesmo… Incrivel como eu percebi tanta coisa assim nesse periodo tambem….
    Super me identifico!!
    E parabens por se expor! Quando vc traz sua dor pro mundo, o mundo te acolhe… Porque no fim do dia todos temos os mesmos medos, os mesmos problemas, só muda a forma de ver e a intensidade…

    Bjao e até o lançamento 😉

    Enviada do meu iPhone

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  7. Caramba Claudia, quando escreve sobre situações cotidianas do mundo corporativo, suas palavras se encaixam como uma luva na minha situação que é muito semelhante à sua. Os dois últimos parágrafos deste texto, parecem escritos por mim. Não tenho a pousada, mas estou me associando a uma franquia, mundo novo para mim, novo momento. Mas o sentimento é o mesmo. Ainda não tive pesadelo e espero não ter, mas vivo de pessoas que ficararam.
    Bom de resto, tenho certeza que não ficará só na livraria, confie, acredite é muito sucesso! Parabéns pela nova vida.

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  8. “Medo de olhar no fundo
    Medo de dobrar a esquina
    Medo de ficar no escuro
    De passar em branco, de cruzar a linha
    Medo de se achar sozinho
    De perder a rédea, a pose e o prumo
    Medo de pedir arrego, medo de vagar sem rumo”
    Miedo – Lenine

    Sabemos que a carreira corporativa é uma etapa importante na vida profissional de uma pessoa. Já tivemos a oportunidade de conversar sobre isso… Entretanto, nada compensa o prazer de empreender… Beijos!!!

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