Invernou

Desde que comecei a frequentar a Bahia, coleciono expressões locais que exigem tradutor e intérprete. Para mim. Para eles. Sombreiro = guarda-sol. Aipim = mandioca. Fatia parida = rabanada. Barril = confusão. Caruara = dar para trás por medo. Dentre as inúmeras palavras diferentes, o verbo invernar era o que mais me intrigava. Sou extremamente friorenta e, felizmente, o único frio que me incomoda na terra sagrada é o que sai do ducto do ar-condicionado. Mesmo em julho, os termômetros não baixam além dos 22 graus.

Na minha nova rotina sem crachá, passo cinco dias cá, cinco dias lá e tenho tido a oportunidade de viver dois tempos, dois cotidianos e duas “línguas”. Na quinta passada, quando cheguei na Capela, ouvi: ” o vento mudou, vai invernar”. 

Fiquei esperando a chegada do verbo, temendo a falta de casacos em meu armário praieiro. No final de semana, a previsão do tempo errou e o sol deu o ar da sua graça, deixando a chuva forte para a noite. Hoje, segunda-feira, invernou. Hoje, enfim, entendi. Não faz frio como no inverno sulista. Mas molha, umedece, pinga, resfria e embranquece tudo. Como nada é feito e pensado para esses dias de “inverneio”, o vento e a água entram e escorrem por todos os buracos. E surgem pingueiras = goteiras em todos os lugares cobertos da cidade. No mercado, na loja, na igreja, na padaria. Com as pingueiras, aparecem baldes coloridos, panelas furadas, bacias transparentes em filas indianas para tentar conter e colher a água. Não funciona, claro. E tudo molha. 

O efeito psíquico desse aguaceiro é um recolhimento e uma contenção. As ruas esvaziam. Os compromissos são cancelados. As consultas são desmarcadas. Só trabalha que já esgotou o estoque de desculpas para o patrão. O congestionamento crônico da cidade até diminui porque poucos se atrevem a sair de casa. 

“Desculpe-me, mas não posso te encontrar hoje, avisa o amigo. Quem toma o bolo, faça troça. “Tem medo de derreter na chuva? É feito de açúcar?” Ouço a frase e me perco na imagem de um enorme algodão doce colorido se protegendo com um gigante guarda-chuva.

 

6 comentários sobre “Invernou

  1. Oi Cláudia, gosto muito das sua narrações e imagino o quanto mais leve as coisas devem estar.
    Na minhas andanças a “chuva de conchinha” = pouca chuva, que demora a encher uma mão em forma de concha, foi uma das melhores escutadas no interior de MG.
    Que a tranquilidade a acompanhe sempre.

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